Como parte de um grande esforço para fortalecer as tradições e
atividades indígenas para manutencão da agrobiodiversidade na Amazônia,
teve início nesta segunda-feira (3), na aldeia Moikarakô, Terra Indígena
Kayapó, em São Félix do Xingu (PA), a
I Feira Mebengokré de Sementes Tradicionais.
Mais de 1000 indígenas foram convidados para o grande evento de
intercâmbio cultural, sendo 700 Mebengokré e 300 indígenas de outros 20
povos do país, além de alguns não-índios do poder público e da sociedade
civil organizada que trabalham com a temática.
Os povos indígenas ocupam a Amazônia há milhares de anos, sempre
sustentando suas famílias através de práticas de cultivo de suas roças e
atividades extrativistas.
A presença indígena e o contínuo manejo do ambiente construíram
verdadeiros bolsões de biodiversidade, preservando de forma
impressionante o equilíbrio do ecossistema.
Na aldeia Moikarakô, na Terra Indígena Kayapó, não é diferente. Os
Kayapó, que se autodenomina Mebengokré, têm na base de sua alimentação
produtos como a mandioca (kwyry), a banana (turuti), o milho (ba’y), o
inhame (mop), a batata-doce (jàt), além de coletarem da mata um sem
número de folhas, cipós, frutos e sementes, que utilizam para
alimentação, curas, artesanato e outras diversas finalidades.
São as mulheres (nire) que colhem os frutos da roça, mantendo uma
relação ancestral com a personagem mítica que ensinou a agricultura aos
Mebengokré. A divisão do trabalho por sexo e idade orienta as atividades
econômicas de produção e consumo.
A feira foi idealizada para manter e promover essa
tradição cultural e
a diversidade dos alimentos cultivados pelo povo Mebengokré.
As sementes tradicionais manejadas pelos povos indígenas são
resultado de um trabalho sistemático e altamente elaborado de seleção,
conservação e melhoramento de cultivares, de acordo com os gostos, o
clima e a dinâmica de cada região e cultura. A impressionante variedade
de sementes são mostra viva das estratégias dos povos indígenas para a
manutenção da vida e dos costumes e de seus planos para o futuro.
- Estamos abrindo as portas de nossa terra para receber os par
entes de outras culturas para a gente se conhecer, trocar sementes e também
trocar experiências e ideias. Queremos mostrar nossas sementes, nossa
festa, nossa comida, nossa pintura, nossa roça, nosso artesanato. E
queremos conhecer também como vocês parentes fazem isso nas terras de
vocês. Temos certeza de que vai ser uma festa muito bonita e que as
coisas que vamos trocar vão trazer mais força para nossas roças e nosso
povo – disse Moté Kayapó, guerreiro da aldeia Moikarakô.
O contato com os brancos há poucas décadas e a conseqüente pressão
por suas terras e os recursos que nela existem trouxeram enormes
desafios para os Mebengokré. As Terras Indígenas onde habita os Kayapó
ocupam um território de cerca de 5 milhões de hectares na região
conhecida hoje como o “Arco do Desmatamento”. Elas representam uma das
últimas barreiras efetivas à devastação na Amazônia Oriental.
A região vem sofrendo intensa ocupação humana nas últimas décadas,
estimulada pela abertura de rodovias nas décadas de 60 e 70. Na década
de 80, o contexto regional no qual os Kayapó estão inseridos passou por
um processo de radical transformação, com a abertura de grandes fazendas
no Norte do Mato Grosso e Sul do Pará, seguida da exploração de ouro a
céu aberto (garimpos) e da exploração madeireira – esta intensificada a
partir da década de 90.
O envolvimento com as atividades garimpeira e madeireira viabilizou,
pela primeira vez, o acesso direto dos Kayapó ao dinheiro, gerando
volumes espantosos de recursos em muitas comunidades, o que produziu,
por um lado, um grande poder aquisitivo aos Kayapó e, por outro,
progressivo distanciamento das atividades produtivas
tradicionais e dependência de alimentos oriundos das cidades.
O período dos ciclos do ouro e do mogno foi extremamente conturbado,
caracterizado pela distribuição desigual de recursos financeiros e
mercadorias entre as famílias, gerando um quadro generalizado de
conflitos e desunião entre os Kayapó.
A partir do início da década de 2000, com a intensificação das
restrições às ativ
idades garimpeira e madeireira em territórios
indígenas, a maioria das comunidades Kayapó passou a buscar apoio do
governo e de organizações não governamentais para proteger seus
territórios e para desenvolver alternativas sustentáveis de geração de
renda.
Foi então que surgiu a Associação Floresta Protegida, instituição
criada em 2002 com o intuito de auxiliar as comunidades Kayapó na
articulação com os diferentes atores da sociedade para o fortalecimento
da autonomia política, econômica e social de suas comunidades. Desde
então a associação atua em parceria e articulação com a Funai (Fundação
Nacional do Índio), compartilhando os mesmos objetivos.
Atualmente, a presença de grandes empreendimentos em curso na região
(hidroelétricas, mineração e abertura de estradas) e a decorrente
entrada de recursos de compen
sação tem exigido novas estratégias em vistas à autonomia indígena e à valorização de suas atividades
produtivas tradicionais.
O contexto sócio-político é compartilhado por muitas outras etnias de
diferentes regiões do país, fazendo dos intercâmbios culturais um
significativo espaço de troca de idéias para a construção de um futuro
mais digno.